Saturday, February 11, 2006

INTERTEXTUALIDADE

A noção de intertextualidade coloca imediatamente um problema mais ou menos delicado de identificação. A partir de que altura se poderá falar de presença de um texto noutro, em termos de intertextualidade?
Entre as suas diversas características, o que mais caracteriza a intertextualidade é introduzir um novo modo de leitura que que faz "estalar" a linearidade do texto. Cada referência intertextual é o lugar duma alternativa: ou prosseguir a leitura, vendo apenas no texto um fragmento como qualquer outro, que faz parte integrante da sintagmática do texto, ou então voltar ao texto-origem, procedendo a uma espécie de anamnese intelectual em que a referência intertextual aparece como um elemento paradigmático "deslocado". Na verdade, esta alternativa ou disjunção, apenas se apresenta aos olhos do analista. É em simultâneo que estes dois processos operam na leitura e na palavra intertextual, semeando o texto de bifurcações que lhe abrem, aos poucos, o espaço semântico. Deste modo, o estatuto do discurso intertextual é comparável ao de uma super-palavra, na medida em que os constituintes deste discurso, já não são palavras, mas sim coisas já ditas, já organizadas, fragmentos textuais.
A intertextualidade "fala" uma língua cujo vocabulário é a soma dos textos existentes. Basta uma simples alusão para introduzir no texto centralizador um sentido, uma representação, uma história, um conjunto ideológico, sem ser preciso falá-los. O texto de origem lá está, virtualmente presente, portador de todo o seu sentido, sem que seja necessário enunciá-lo. Isto confere à intertextualidade uma riqueza e uma densidade excepcionais.
O problema da intertextualidade é fazer caber vários textos num só, sem se destruirem mutuamente, e sem que o intertexto (texto que absorve uma multiplicidade de textos) se "estilhace" como totalidade estruturada.
Fora da intertextualidade, a obra literária (principalmente o romance actual, por exemplo, Saramago, Lídia Jorge, Lobo Antunes e tantos outros) seria muito simplesmente incompreensível, tal como a palavra de uma língua ainda desconhecida. De facto, só se apreende o sentido e a estrutura de uma obra literária, se a relacionarmos com os seus arquétipos. Estes, provenientes de outros tantos "gestos literários, codificam as formas de uso dessa tal "linguagem literária" (Lotman) que é a literatura. É face aos modelos arquetípicos, que a obra literária entra sempre numa relação de realização, de transformação ou de transgressão.
A partir do momento em que uma crítica formal se revela, como hoje, solidamente assegurada nos seus fundamentos, deve a intertextualidade situar-se relativamente ao "funcionamento" da literatura. Se qualquer texto remete, implicitamente, para os textos, é em primeiro lugar de um ponto de vista genético que a obra se combina com a intertextualidade.
Acontece ainda que a intertextualidade não só condiciona o uso do código linguístico (quem gostava muito de falar em código linguístico era o Ferdinand Saussure, entretanto já ultrapassado, mas isso são contas de outro rosário...), como também está explicitamente presente ao nível do conteúdo formal da obra. Assim acontece com todos os textos que deixam transparecer a sua relação com outros textos: imitação, citação, paródia, montagem, plágio, etc. A determinação intertextual de uma obra literária é então revestida de duplicidade.
Muito mais haveria a dizer sobre textualidade mas tal, seria fastidioso, sobretudo para os amigos bloguistas. Este texto surge, no entanto, numa tentativa de justificar o título deste meu blog intertextualidades, pois nele constarão com o passar do tempo, múltiplos textos e intertextos, quer sobre a minha própria criação, quer na forma de crítica formal a quaisquer obras (romance, conto, poesia, crónica...) que me mereçam especial atenção para o fazer.